segunda-feira, maio 16

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" (...) eu também estou happy, mas é porque estou deitado, a ouvir música e a falar com uma tipa três anos mais nova, que conheci pela net, e que diz ser linda.

A tipa com quem estás a falar (que é 3 anos mais nova que tu, que está deitada a ouvir música e a falar com um tipo que é 3 anos mais velho e que conheceu pela net) gosta muito de ti.

Olha, o tipo é mesmo tolo. Agora começou a rir-se sozinho. Pobre rapariga essa, não sabe onde se está a meter..

A pobre rapariga diz que não se importa se não souber onde se está a meter, só quer ver o tipozinho a sorrir.

O tipo parece ter reagido bem. A sério, senhoras e senhores, ele parece estar a melhorar. Aquele rapaz que vocês conheceram nos primeiros episódios, cuja baba teimava em cair, cujo cheiro não era a amigável e cujo cérebro não devia nada à inteligência parece estar a dar sinais de melhorias. Esta tipa da net e das mãos de mel parece fazer milagres!

A rapariga sente-se bastante ofendida porque o tipo só se apercebeu agora que a razão pela qual ela entrou na sua vida foi ajudá-lo a melhorar, apesar de, ao princípio, essa ser uma missão praticamente impossível. Sim, senhoras e senhores, a rapariga da net é perfeita para o tipo. Quem quiser que estes dois desolados fiquem juntos ligue para o 700 100 501. Quem achar que estes dois desolados fiquem (porque sim, só há essa opção) ligue para o 700 100 502.

O rapaz sentiu-se muito triste por a rapariga se ter sentido ofendida. Na verdade, a coisa que ele mais lamenta é não poder fazê-la mais feliz. Nem esse sentimento que tão mal lhe fazia ele conseguia explicar. Ele sentia, agora, obrigação de telefonar, chamem-lhe interseiro, chamem-lhe o que quiserem, mas ele tinha que telefonar. Mas... o rapaz não tem dinheiro no cartão! E agora? Esperem, ele foi para o guarda roupa. Estará louco? Será uma recaída? Ele tira qualquer coisa da gaveta... é a camisola da argentina! Mas que raio, será ele assim tão louco? Que faz ele com ela no meio da rua agora? Ele está a falar com alguém, e dá a camisa a troco de 5 euros! Mas que bem, o atrasado está ganhar juízo e lembrou-se de vender a camisola para ganhar dnheiro. Agora já pode telefonar! Veremos se consegue, com tipos parvos nunca se sabe.

A rapariga sorriu e sentiu um arrepio que lhe percorreu a espinha. Ela não acredita que o tipo era capaz de trocar a sua preciosa camisola da argentina por 5 euros só para conseguir telefonar. A sua mente fica vazia durante um curto espaço de tempo, os batimentos do seu coração começam a acelerar e ela percebe finalmente que o tipo é capaz de a fazer mais feliz do que alguém foi capaz de o fazer. Ela pensa em ir já já já para Mourão MAS NÃO TEM COMO IR. Vai ao quarto dos pais, tira a pistola da mesa de cabeceira e aponta-a à cabeça do seu pai e ordena-lhe que pegue no carro e a leve ao desterrozinho onde vive o tipo. Será que o pai obedece?

Não, não caros telespectadores. O pai não a levou para Mourão. Mandou-a voltar para a cama e deixou-a de castigo. Algo que não agradou nem à tipa nem ao tipo. A estas horas já a net estava fechada, já só podiam seguir o seu caso através desta novela - que, diga-se, está a ganhar seguidores capítulo atrás de capítulo. mas não nos percamos com publicidade. O tipo estava com o estômago cheio de borboletas. Mas sentiu-se vencido, inicialmente, ao perceber como o mundo era injusto: ele não a ia ver naquela noite. Isso pesou-lhe, mas depois de alguns segundos em silêncio animou-se. O tipo parece, finalmente, ter percebido o significado da expressão "home is where your heart is", e isso valeu-lhe um grande conforto e um pequenino mexer de lábios em jeito de sorriso.

A rapariguita não aceitou que o destino a tivesse desviado do tipo naquela noite, ela tinha que o ver, simplesmente tinha. Perita em jogos de condução, ela rouba as chaves do Golf do seu pai, abre o portão da garagem e põe prego a fundo. Agora sim, senhores e senhoras, é caso para dizer: será ela louca? Ele nunca mais vai poder sair de casa, pensam vocês. Pouco s erala ela com as consequências, só precisa de sentir um caloroso abraço do rapaz que a faz sentir como uma princesa. Oh não! NÃO PODE SER, ELA ESPETOU-SE CONTRA UM POSTO NA CARIDADE, o carro não pega!

Isolada no meio do nada, e sem ninguém saber onde ela estava, deitada no chão, já sem força,a rapariga tinha deitado tudo a perder? O rapaz já se tinha, a muito custo, conformado com a ideia de passar a noite sem ela, e tinha decidido fechar os olhos. Mas quem é que ele queria enganar? A cama dele já se tinha tornado demasiado pequena para tantas voltas, e as paredes do quarto eram demasiado fracas para prender ali tanta vontade. Não podia ficar ali. Era agora ou nunca. Como não conseguiu encontrar a chave do carro foi à rua fumar um cigarro. Esbugalhou os olhos, era o carro do vizinho! Mas que bela ideia. Ele estava agora a caminho. Um misto de emoções assolava-o. No rádio do carro ouvia alguém cantar "there's so much time to figure out the rest of our lives and you've really got me comming undone". Ele não percebia inglÊs, aliás, nem sabia se aquilo era inglês. Fosse como fosse, e mt estranhamente, andou mais depressa.

Ela berrava, chorava, mas ninguém parecia querer saber. O seu mundo tinha desabado. Caiu sobre o alcatrão e olhou para o céu. Uma estrela brilhou e relembrou-lhe que a esperança é a última a morrer. fechando os olhos, imaginou que o tipo viria, como um príncipe encantado, ao seu encontro. Subitamente vê um carro velho só com um farol na sua direcção. O carro parou à sua frente e a porta do condutor foi aberta por alguém desconhecido. Ela tentava perceber quem era mas a luz do farol estava a incandear a sua vista. Ouviu um trovão e pequenas pingas começaram a cair.

E será preciso dizer quem era que vinha no carro? Parece-nos óbvio que era ele. Quando a viu ficou com o peito cheio de ar, parecia que tinha ganho uma nova vida. O rosto dele tornou-se mais seguro, mas ao mesmo tempo inocente. A coisa que ele mais queria era vê-la, mas ali, estendida, á chuva, bem, não era propriamente o sonho do pobre rapaz. aquela carinha fraco com olho a brilhar era a pior coisa que lhe podiam fazer. aquele ar de quem precisava de ajuda derrotava-o completamente. Não por ser um ar derrotado, mas por ser o ar derrotado dela. Dela. Isso deixava-o de uma forma inexplicável. Só conseguia sentir o coração a saltar para fora e os joelhos a perderem a pouca força que tinham. Foi a correr em direcção dela.

Ela levantou-se rapidamente, não queria acreditar. Sentiu-se a rapariga mais feliz do mundo. Quando chegou ao pé dele manteve uma certa distância e ficou a olhar para ele. Como é que ela demorou tanto tempo a perceber que ele sempre foi a escolha certa, a felicidade e o caminho que procurou?
Caminhou os últimos passos e ficou cara-a-cara com o rapaz. Abraçou-o com toda a força que pôde e assim ficaram uns bons minutos, à chuva.

Como qualquer boa história eles não ficaram por aqui. O rapaz sentia-se com força suficiente para derrubar qualquer muralha, para vencer qualquer império. ser um daqueles heróis antigos, daqueles que criam lendas e mudam mundos, mas ali, mas ali meus caros, ele era pessoa mais frágil que podia haver. Apesar de ter abraçado a rapariga com toda a força que tinha, física e não só, ele queria mais, até porque por mais força que fizesse acabava sempre por lhe parecer pouco. mas ele também sabia que estavam muito bem assim. E mais, ele sabia muito bem que não havia de faltar muito tempo até ter o que realmente precisava e lhe fazia falta. Ele até sabia qual era o lugar certo. O melhor de tudo é que também sabia que ela sabia. Podia estar a ser parvo e a viver enganado, mas ao menos vivia feliz."



RC, 16/05/2011 [0:00-2:00]

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